Você já passou alguma situação difícil por conta do Evangelho? É claro que, em certa medida, não sofremos absolutamente nada, se compararmos ao que nossos irmãos sofrem em países de difícil acesso para o Evangelho. Entretanto, seria uma falácia dizer que o cristão ocidental não passa situações difíceis por conta do Evangelho. Nesse exato momento no Brasil, existem inúmeros adolescentes sofrendo bullying (prefiro o termo “violência simbólica”) na escola, pelo simples fato de ser Cristãos; jovens sendo ridicularizados pelos professores na universidade; pais de família perdendo o emprego por se manter em suas convicções, mesmo diante do assédio.
Paulo afirma em 2 Timoteo que “todos os que desejam viver uma vida piedosa em Cristo Jesus sofrerão perseguições”. Isso é fato. Mas, a questão que desejo colocar aqui é:
Como você reage diante dos sofrimentos, dificuldades, especialmente, aqueles provocados pelo Evangelho?
No ano 60/61 d.C, Paulo estava preso em Roma (At 28). Esta era a época do imperador Nero. Na prisão, Paulo escreveu uma carta a esta Igreja que ele plantou em sua 2ª viagem missionária, por volta do ano 51 d.C. A carta era para os Filipenses.
Qual é o assunto principal da carta?
Tradicionalmente fala-se que esta é a carta da alegria. Essa ideia me parece incompleta.
Vejamos:
A palavra “alegria” aparece 14 vezes na carta.
A palavra “evangelho” aparece 9 vezes.
Mas, a Palavra “Cristo”, “Jesus”, “Senhor” aparece 45 vezes.
Dessa forma, percebe-se que “alegria” é um assunto importante, mas derivado do assunto principal: Cristo/Evangelho, de seu crescimento nos Filipenses e a partir dos Filipenses. Então, a mensagem central da carta de Paulo aos Filipenses é:
A satisfação em Cristo contribui para o crescimento do Evangelho.
O texto que gostaria de me deter é Filipenses 1.12-30. A mensagem central desse texto é:
O Deus soberano usa as circunstâncias na vida do crente para o crescimento do Evangelho. Portanto, porte-se de forma digna dele.
Vamos entender por partes.
O Deus soberano usa as circunstâncias na vida do crente para o crescimento do Evangelho.
As circunstâncias em que Paulo escreveu a carta aos Filipenses não eram das melhores. Ele estava preso, provavelmente em Roma, sob o governo do imperador Nero. Todavia, vejamos a perspectiva de Paulo a respeito da situação em que estava vivendo:
ü A prisão contribuiu para o crescimento do Evangelho – v. 12-17
ü A guarda pretoriana e os demais ouviram o Evangelho – v. 13 – c.f Fl 4.22 – “todos os santos vos cumprimentam, principalmente os da casa de Cesar”.
ü Os irmãos foram encorajados a pregar a palavra do Senhor sem medo – v. 14
ü Alguns pregavam com motivações erradas, mas Cristo estava sendo anunciado – v. 15-17
Incrível! Isso não era meramente aquele otimismo vazio da confissão positiva! Definitivamente não! Tratava-se de uma profunda convicção de Paulo de que Deus usou Nero e a prisão do apóstolo para que Cristo fosse anunciado. Paulo cria que, de alguma forma, o Deus soberano usa as circunstâncias na vida do crente para o crescimento do Evangelho. Na palavras de John Piper:
Deus determina que o sofrimento de seus embaixadores é um componente essencial no triunfo da propagação das boas-novas entre todos os povos do mundo.[1]
Agora, vejamos a reação de Paulo diante das coisas que lhe estavam acontecendo.
A reação de Paulo diante das circunstâncias era de alegria, contando que Cristo fosse anunciado – v. 18
Paulo menciona nesse versículo 2 x a palavra “alegria”. Ele afirma que sua alegria estava no fato de Cristo estar sendo anunciado.
Jonh Bunyan (1628-1688) foi um pregador puritano batista, nascido na Inglaterra. Bunyan viveu na época pós revolução gloriosa, de Oliver Crown, quando o Rei Charles II, líder supremo da Igreja da Inglaterra, proibia o culto de qualquer religião que não fosse a Anglicana. Por pregar o Evangelho, Bunyan ficou preso por 12 anos. Durante sua prisão escreveu o livro que se tornou um clássico da literatura cristã: “O peregrino”. Além deste, escreveu muitos outros como “Graça abundante ao principal dos pecadores” e “As guerras da famosa cidade de Almahumana”.
Relatando sobre o período que ficou aprisionado, Bunyan escreveu:
Nas audiências subsequentes, fui acusado de manter assembleias e reuniões ilegais e de não conformar-me ao culto nacional da Igreja da Inglaterra. Depois de alguma discussão com os oficiais da lei, eles consideraram minha conduta honesta para com eles como uma confissão, de acordo com o que chamavam, da acusação pronunciada contra mim e setenciaram-me à prisão perpétua porque recusei conformar-me. Sendo deixado nas mãos do carcereiro, fui levado de casa à prisão, onde tenho estado por doze anos completos. Durante todo este tempo esperei ver o que Deus permitiria que esses homens fariam comigo. Pela graça, tenho continuado nestas circunstâncias com muito contentamento, embora tenha enfrentado muita peleja e provação vindas do Senhor, de Satanás e de minha própria corrupção.[2]
A expressão que Bunyan usa aqui é “contentamento”. Ele estava preso e sofria o que sofria, mas a graça do Senhor lhe ajudava a ter “contentamento”.
Como temos passado pelo o que passamos? Será que com alegria, ou contentamento?
A reação de Paulo diante das circunstâncias era de expectativa de que Cristo fosse engrandecido, seja na sua vida, ou morte – v. 19,20
Nesses versículos Paulo menciona a palavra “salvação”. Sempre que nas Escrituras aparecer essa palavra, temos que perguntar: Salvação do que? Isso nos ajuda a entender o contexto.
Aqui, Paulo está se referindo a sua soltura da prisão. Naturalmente, o apóstolo esperava ser solto. Entretanto, no versículo 20 ele afirma que a sua expectativa mesmo estava no fato de que Cristo fosse exaltado, seja na sua vida, seja na sua morte.
No livro “Cristãos secretos”, o irmão André, fundador da missão Portas Abertas, registra seu diálogo com Butrus (nome fictício), após a saída deste do Oriente Médio em função da ameaça de morte sobre ele e sua família e a morte brutal de dois companheiros de ministério. O irmão pergunta a Butrus:
– Se eles de fato o matarem, o que você perdeu?
– Se eles me matarem, eu estarei com o Senhor, responde Brutus.[3]
Este homem estava disposto a morrer por Cristo. Eu sempre me imaginei nessa situação e, sinceramente, não sei como agiria. Provavelmente iria fraquejar.
Em 2015, o pastor Bill Mills, no Congresso do Pregue a Palavra, me ajudou com essa reflexão. Ele disse o seguinte: “Se você consegue viver por Jesus, você consegue morrer por Jesus”.
Essa é a questão! Não estamos dispostos a morrer por Jesus porque não vivemos para ele. Não estamos dispostos a perder pelo Rei! Ficamos desesperados somente com a ideia de perder namorada/o, emprego, disciplina na universidade, promoção na carreira, por conta de Cristo!
A reação de Paulo diante das circunstâncias era de convicção de que sua vida era útil aos santos e sua morte era ganho para ele – 21-26
A reação de Paulo diante do sofrimento por Cristo foi de alegria e a expectativa da exaltação de Cristo. Isso só era possível por conta da profunda convicção de que o viver era para os irmãos e o morrer era para estar pessoalmente com Cristo.
Quanta diferença em relação a nós! Diante da mínima pressão do contexto sociocultural em que vivemos, somos rápidos em negociar nossas convicções para não ter que passar pelos “constrangimentos” advindos do fato de sermos cristãos.
Mas Paulo tinha a convicção de que Cristo é infinitamente melhor!
Richard Wurmbrand foi um pastor Romeno, fundador da missão “a voz dos mártires”. Ele foi preso e torturado vários anos pelos nazistas. Em seu livro “Torturado por amor a Cristo”, ele conta:
Os comunistas organizaram um Congresso de todos os grupos cristãos no edifício do nosso Parlamento. Ali estavam quatro mil padres, pastores e ministros de todas as denominações. Esses quatro mil padres e pastores escolheram Joseph Stalin como presidente honorário do Congresso. Ao mesmo tempo era presidente do Movimento Mundial dos Ateus e assassinos dos cristãos. Um após outro, bispos e pastores se levantou no nosso Parlamento e declararam que Comunismo e Cristianismo são fundamentalmente a mesma coisa e podiam muito bem coexistir. Um após outro, os ministros ali presentes pronunciaram palavras laudatórias ao Comunismo e asseguraram ao novo governo a lealdade da Igreja.
Minha esposa e eu estávamos presentes. Ela, sentada junto a mim, dizia-me: “Ricardo, levanta-te e lava esta vergonha que estão atirando à face de Cristo! Eles estão cuspindo no Seu rosto”. Respondi-lhe: “Se eu assim proceder, você perderá seu marido”. Ela atalhou: “Não quero ter um marido covarde”.
Então me levantei e falei ao Congresso, exaltando não aos matadores de cristãos, mas a Cristo e Deus, e afirmei que nossa lealdade é devida em primeiro lugar ao Senhor. Os discursos nesse Congresso estavam sendo irradiados; por todo o país se ouvia a proclamação do Evangelho, feita da tribuna do Parlamento comunista! Depois tive de pagar por isto, mas valeu a pena![4]
O caminho mais fácil é negorciarmos a nossa fé. Diante das pressões somos o tempo inteiro tentados a dizer: “Não é bem assim”, “não podemos ser tão radicais”. Aí está o motivo pelo qual inúmeros pastores negociam suas convicções; muitos pais de família que são promovidos, mas negam sua pureza; uma multidão de jovens que passam desapercebidos na universidade, isso porque não têm a coragem de se posicionar como cristãos.
Entretanto, aí está o desafio da fé, diante de um mundo hostil ao Evangelho, seja em casa, no trabalho, na universidade, ou na escola, que possamos dizer: “tive que pagar por isto, mas valeu a pena”.
Nelson Galvão
Sola Scriptura
[1] John Piper. Completando as aflições de Cristo. Ed. Vida Nova. p. 16.
[2] BUNYAN, John. Graça abundante ao principal dos pecadores. Ed. Fiel. p. 147
[3] Cristãos secretos. Ed. Vida. p. 211.
[4] Torturado por amor a Cristo. Ed. Voz dos Mártires. p. 11
Nelson é casado com Simone desde 1997 e eles têm um filho. Ele é formado em História e Teologia, pós-graduado em Administração Escolar e mestre em Educação (PUC-SP). Atualmente faz mestrado em Teologia do Novo Testamento no Seminário Bíblico Palavra da Vida- Atibaia, SP.
É pastor interino da Igreja Batista Sião (São José dos Campos-SP) e atua como diretor acadêmico do ministério Pregue a Palavra.
Atua ainda como coordenador do grupo do Pregue a Palavra de Cuba e como professor convidado da Escola de Pastores PIBA.
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